Os Juizados Especiais Criminais (Jecrim) foram criados pela Lei 9.099/1995 com o objetivo de oferecer uma justiça mais célere, informal, econômica e acessível, especialmente nos casos de infrações de menor potencial ofensivo. Já a Justiça Militar, prevista na Constituição Federal (art. 124 e 125), possui competência especializada para julgar crimes militares e infrações disciplinares cometidas por integrantes das Forças Armadas e das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros.
A tensão entre esses dois ramos da justiça surge quando o militar pratica um crime de menor potencial ofensivo em contexto militar ou fora dele. Qual é o juízo competente: o Jecrim ou a Justiça Militar?
O Jecrim atua em crimes de menor potencial ofensivo (pena máxima até 2 anos), aplicando medidas como transação penal e suspensão condicional do processo (sursis processual).
A Justiça Militar julga crimes definidos no Código Penal Militar (CPM) ou nos casos em que a infração esteja ligada ao exercício da função militar.
📌 Exemplo: um policial militar agride um colega dentro de um quartel — trata-se de lesão corporal (art. 209 do CPM), mas o contexto militar define a competência da Justiça Militar, não do Jecrim.
O STF e o STJ já firmaram posição de que a competência da Justiça Militar prevalece sobre a dos Juizados Especiais, quando o fato for considerado crime militar, mesmo que sua pena seja inferior a dois anos.
🔹 Súmula 90 do STJ:
“Compete à Justiça Militar processar e julgar militar por crime de lesão corporal leve praticado em serviço contra outro militar.”
⚖️ Em outras palavras: o critério de “menor potencial ofensivo” não retira a natureza militar do crime nem desloca automaticamente a competência para o Jecrim.
Preserva a hierarquia e disciplina das instituições militares.
Especialização do juízo e compreensão do contexto castrense.
Evita banalização ou impunidade de atos que, no meio militar, têm alto impacto.
Pode representar privilegiamento da Justiça Militar, que é corporativa.
Restringe o acesso de militares aos benefícios da Lei 9.099/95, como a transação penal.
Gera insegurança jurídica, especialmente quando o crime não envolve a função militar diretamente (ex: militar fora de serviço em briga de bar).
Alguns autores e juristas defendem uma harmonização entre a Lei 9.099/95 e a Justiça Militar, permitindo que:
Crimes de menor potencial ofensivo praticados fora do serviço e sem conotação militar sejam julgados pelo Jecrim.
Seja criado um Juizado Especial Militar, para tratar especificamente de casos de menor gravidade dentro da estrutura da Justiça Militar.
Essa proposta visa garantir celeridade e efetividade sem comprometer os valores militares.
O debate entre Juizados Especiais e Justiça Militar evidencia o conflito entre a universalização de direitos e garantias penais e a preservação da lógica castrense. Embora a jurisprudência brasileira caminhe no sentido de manter a competência militar mesmo para crimes de menor potencial ofensivo, a discussão segue aberta e cheia de nuances.
Em um contexto democrático, é fundamental que o Direito Militar continue sendo repensado e atualizado à luz dos princípios constitucionais, sem abrir mão da disciplina militar, mas também sem se tornar um espaço de exceção à cidadania.