21978315392 / ricardo.bellido@adv.oabrj.org.br

Homicídio de civil

Homicídio de civil

O homicídio de civil cometido por militares é uma das temáticas mais sensíveis, complexas e controversas no âmbito do Direito Penal Militar brasileiro. Esse tipo de crime coloca em tensão princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, tais como o controle da força estatal, a proteção da vida, a jurisdição penal competente e os limites da atuação militar em tempos de paz. Mais do que um problema jurídico, trata-se de um tema que envolve implicações éticas, políticas e sociais de enorme relevância.

A competência da Justiça Militar: exceção ou regra?

Tradicionalmente, a Justiça Militar foi criada para julgar os delitos cometidos por militares no exercício da função ou em razão dela. No entanto, a definição de competência da Justiça Militar para julgar homicídios dolosos contra civis vem sendo objeto de disputa jurídica, especialmente após a entrada em vigor da Lei nº 13.491/2017, que ampliou significativamente a competência da Justiça Militar da União.

Antes da referida lei, casos de homicídio doloso de civis por militares das Forças Armadas eram julgados pela Justiça Comum (Estadual ou Federal), em observância ao princípio do juiz natural e à proteção dos direitos humanos. A partir da nova legislação, a Justiça Militar passou a ser competente para julgar crimes dolosos contra a vida de civis quando praticados por militares das Forças Armadas no exercício da função, incluindo operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

A alteração legislativa causou forte reação de juristas, organizações de direitos humanos e até de órgãos internacionais, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que consideram a jurisdição militar inadequada para julgar crimes dolosos contra civis, justamente por comprometer a imparcialidade e a transparência necessárias em casos de uso excessivo ou arbitrário da força por agentes estatais.

Crimes dolosos contra civis: justiça militar versus justiça comum

A principal crítica reside no fato de que a Justiça Militar é composta majoritariamente por juízes togados e militares da ativa, o que pode gerar suspeitas de parcialidade e corporativismo. Além disso, os procedimentos na Justiça Militar são mais rígidos e voltados à lógica da hierarquia e da disciplina, o que pode colidir com a lógica garantista do processo penal civil.

Por outro lado, defensores da ampliação da competência da Justiça Militar argumentam que, se o crime é cometido no exercício de atividades militares legalmente atribuídas, como operações de patrulhamento, segurança de fronteiras ou missões de GLO, o julgamento pela Justiça Militar se justifica, pois trata-se de crime funcional, e o contexto da atividade militar deve ser compreendido por quem julga.

Casos emblemáticos e impacto social

Alguns casos específicos geraram amplo debate público e pressionaram instituições por mudanças. Um dos mais emblemáticos foi o caso do músico Evaldo Rosa, morto por militares do Exército no Rio de Janeiro, em 2019, quando seu carro foi alvejado por mais de 80 tiros em uma operação de GLO. Inicialmente, o caso foi direcionado à Justiça Militar, mas acabou sendo remetido à Justiça Federal. A decisão foi vista como um marco, pois reafirmou a importância da Justiça comum em casos de violação grave de direitos humanos.

Esses episódios evidenciam a fragilidade do controle civil sobre a atuação militar, especialmente quando civis são mortos fora de cenários de guerra ou combate. Também demonstram como o sistema jurídico precisa de parâmetros mais claros e equilibrados para tratar esses casos, sem prejuízo à responsabilização efetiva e justa.

O princípio da proteção aos direitos humanos e os tratados internacionais

Do ponto de vista do direito internacional, há clara orientação para que crimes cometidos por militares contra civis sejam julgados por tribunais civis. A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos é firme ao afirmar que a jurisdição militar deve ter um caráter excepcional e restrito, não se aplicando a civis nem a crimes de direitos humanos.

O Brasil, como signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), está vinculado a essas obrigações. Assim, a manutenção da Justiça Militar como competente para julgar homicídios de civis em determinadas circunstâncias representa um potencial conflito com compromissos internacionais assumidos pelo país.

Reflexões constitucionais e democráticas

O artigo 5º da Constituição Federal assegura o direito à vida, ao devido processo legal e à igualdade perante a lei. O homicídio doloso cometido por militares contra civis, portanto, precisa ser tratado com absoluto rigor, e sua apuração deve ocorrer em instâncias dotadas de imparcialidade, transparência e respeito às garantias constitucionais.

Nesse contexto, cabe à Justiça Militar desempenhar papel complementar e especializado, sem, contudo, assumir funções que extrapolem seu escopo constitucional. A ampliação de sua competência para julgar homicídios de civis é vista por muitos como um retrocesso democrático e uma afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Conclusão

O homicídio de civil cometido por militares é uma questão que vai além da técnica jurídica: envolve o modo como o Estado administra seu poder de coação e como protege seus cidadãos diante do uso da força. A definição da jurisdição competente nesses casos não pode ignorar os avanços do constitucionalismo contemporâneo, nem os compromissos internacionais do Brasil com os direitos humanos.

É necessário repensar o papel da Justiça Militar e estabelecer critérios mais claros e restritivos para sua atuação em tempos de paz. A proteção da vida e o acesso à justiça por vítimas e familiares devem prevalecer sobre interesses corporativos ou institucionais. Afinal, em uma democracia, nenhum agente público — nem mesmo o militar — pode estar acima da lei.

1 / 1
Onde fica localizada a Academia Militar das Agulhas Negras?
Angra dos Reis - RJ Barbacaena - MG Piraçununga - SP Rio de Janeiro - RJ Resende - RJ

Compartilhe
Relacionados
© 2025 - Direito Militar
Precisa de ajuda?