A disciplina e a hierarquia são princípios estruturantes da vida militar. Desde a formação inicial, os militares são instruídos a obedecer às normas, ordens e regulamentos com rigor, pois disso depende a coesão e a eficácia das forças armadas. Nesse contexto, o Direito Penal Militar atua como um instrumento fundamental para garantir a preservação dessa ordem, com um conjunto de normas específicas que regulam condutas tipificadas como crime. Este artigo tem como objetivo analisar essa interseção entre a disciplina militar e a lei penal, compreendendo sua fundamentação, aplicação e implicações jurídicas.
A disciplina militar é entendida como o acatamento integral das leis, regulamentos e ordens superiores, sendo um requisito inafastável do exercício da atividade militar. Conforme o artigo 142 da Constituição Federal, as Forças Armadas são instituições permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina.
Nos regulamentos internos de cada força, como o Regulamento Disciplinar do Exército (Decreto nº 4.346/2002), essa disciplina é operacionalizada em normas de conduta, deveres e sanções administrativas. A obediência às ordens e o respeito à cadeia de comando são indispensáveis à manutenção da ordem e à realização das atividades militares com segurança e eficiência.
O Código Penal Militar (CPM), instituído pelo Decreto-Lei nº 1.001/1969, prevê um conjunto de crimes próprios do ambiente militar, que se justificam pela natureza peculiar das funções exercidas pelos militares. Diferentemente do Código Penal comum, o CPM tipifica condutas como:
Insubordinação (Art. 160);
Deserção (Art. 187);
Violência contra superior ou inferior (Arts. 157-158);
Embriaguez em serviço (Art. 202);
Motim e revolta (Arts. 149 e 150).
A finalidade dessas normas é a proteção dos bens jurídicos próprios da vida militar: a hierarquia, a disciplina, a autoridade e o pronto atendimento às ordens superiores. A conduta típica que viola esses valores recebe sanção penal, pois ameaça diretamente a estabilidade e a eficácia das forças armadas.
Já o crime militar ultrapassa esse limite, atentando contra valores jurídicos tutelados penalmente. Por exemplo, atrasos reiterados podem configurar uma infração, mas a ausência prolongada e dolosa do serviço configura o crime de deserção.
A apuração das infrações disciplinares é administrativa, enquanto os crimes militares são processados na Justiça Militar, conforme o artigo 124 da Constituição Federal.
A Justiça Militar da União julga os membros das Forças Armadas, enquanto as Justiças Militares Estaduais, onde existem, julgam os policiais militares e bombeiros militares. O Superior Tribunal Militar (STM) atua como instância superior da Justiça Militar da União.
A competência da Justiça Militar é delimitada pela Constituição e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que tem restringido seu alcance em relação a civis e a crimes comuns praticados por militares fora do serviço.
A ADPF 289/DF, julgada pelo STF, firmou entendimento de que civis não podem ser julgados pela Justiça Militar, salvo em situações específicas como tempos de guerra. Esse entendimento reforça a limitação da jurisdição penal militar ao estritamente necessário para a manutenção da disciplina institucional.
Apesar do regime jurídico diferenciado, os militares não estão à margem dos direitos fundamentais. A Constituição de 1988 assegura o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, inclusive no âmbito penal militar.
Há, entretanto, ponderações específicas: o militar, por exemplo, pode ter limitada a liberdade de expressão política, o direito à sindicalização e à greve. Ainda assim, os princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e da razoabilidade devem ser observados na aplicação da lei penal militar.
A disciplina militar é essencial para a manutenção da ordem nas corporações armadas, e o Direito Penal Militar surge como instrumento para assegurar sua integridade. A legislação penal militar, embora mais rigorosa, deve sempre ser interpretada à luz dos direitos fundamentais e da Constituição. O equilíbrio entre a autoridade institucional e as garantias individuais é o maior desafio da Justiça Militar no Estado Democrático de Direito.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, especialmente os artigos 42, 142, 124.
Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969).
Regulamento Disciplinar do Exército – Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002.
Supremo Tribunal Federal – ADPF 289/DF.
Lei nº 13.491, de 13 de outubro de 2017 (amplia o conceito de crime militar em determinadas hipóteses).